quarta-feira, 16 de junho de 2010

Madrugada interminável, onde o silêncio faz um barulho ensurdecedor e eu preciso de zumbidos para espantar o silêncio...noite calada e o corpo sensível a vibrações que nunca existiram. Olho pela fresta da porta e não vejo luz, sem luz estou sozinha e sozinha não tenho medo, dá para ser quem se é, ninguém olha. Vai pro espelho e ensaia a melhor cara de groupie, porque gente grande dá trabalho demais e a vida de sucesso nem sempre é a ideal. Ter medo do sobrenatural quase pode ser normal, mas gente grande não acredita em fantasmas, nem em piração e talvez nem em alegria...

sábado, 1 de agosto de 2009

Eu até podia sentir ela me olhando, e a espinha gelando cada vez mais.Sentia pela sua respiração, cada vez mais próxima a minha, cada vez mais ritmada, mais sincronizada. O mundo escuro se fez claro, e o céu da minha boca foi tocado pela terrível sensação de despreparo, de absoluta falta de defesa.
Repentinamente todo céu ficou colorido,dentro de mim.
Toda vida valeu a pena, noites no escuro, dias no escuro, foram clareados pelo simples, infantil toque da sua mão na minha.
Tive quase que a certeza que nunca foi um castigo, não! Foi uma benção...a benção de não te ver com meus olhos, pois pude te ver com miha alma.Se meus olhos falharam, ainda bem, meu coração não falhou, porque sempre te enxerguei, não com os olhos,mas com meu tato, com meu olfato...hoje te enxergo com minha alma, e ela se encontra com a sua, tornando-se uma, brilhando, brilhando...
O milagre aconteceu
Posso ver, te vejo, te vejo, te vejo...pulsando e brilhando em mim, para sempre.

 Shakira - Underneath your clothes

domingo, 19 de abril de 2009

Quando Miguel foi morar na vila ele deveria ter mais ou menos uns 7 anos. No primeiro dia em sua nova casa ele ficou no portão esperando algum menino passar para ele fazer alguma coisa,para conseguir uma amigo, mesmo que fosse apenas para jogar uma pelada, mas as horas se passaram e nada. Depois de muito tempo apareceu uma menina, provavelmente da mesma idade que ele. Se olharam e ela se sentou ao seu lado. Uma vez, duas, ao longo dos anos...
A amizade foi crescendo e crescendo, revezavam onde iriam almoçar. Um dia na casa dele, outro na dela. Soltavam pipa, jogavam bola, esconde - esconde. Tudo isso dentro do limite da vila, pois o tráfico tomava conta do bairro.
Luiza era tão inteligente, tão brigona também, que quando Miguel tinha preguiça de fazer a lição de casa ela simplesmente o beliscava ou brigava com ele.
Em qualquer briga de família ou outro problema, era um no outro que eles se refugiavam, que derramavam lágrimas quentes e faziam planos para o futuro...que morariam juntos, que não casariam, que seriam amigos para sempre...eles cresceram...Luiza não se encaixava no padrão de melhor aluna do colégio, tinha sérias dificuldades de aprendizado, mas era esforçada, queria ter grana para se mudar, pois a violência em seu bairro era algo insuportável.
Miguel por sua vez, já havia largado o colégio, depois de ser expulso de diversas escolas.
Várias vezes antes de dormir, Luiza pensava como Miguel tinha mudado, como não conseguia mais ver brilho em seus olhos. Em uma dessas noites ouviu alguém bater na janela de seu quarto.Se assustou. Olhou por um buraco e viu que era Miguel. Abriu a janela e pulou para o lado de fora, como quando era criança. Ele a olhou e disse que a amava, ela começou a rir. Sentaram no chão. Ela disse a ele que havia passado no vestibular, e que amanhã faria a matrícula na universidade. Miguel vibrou por ela.
Por um minuto Luiza esqueceu todas as histórias que ouvia a respeito de Miguel trabalhar com traficantes, e sabia que era mentira, ele era seu amigo, seu companheiro...
Eles se levantaram, ele chegou bem próximo e encostou sua boca na dela e disse bem baixinho:
- Preciso de grana. Tô vendendo umas "paradas", e gastei todo o dinheiro dos caras. Eles falaram que se eu não pagar até amanhã, eles me matam. Me empresta esse dinheiro, por favor!
Luiza começou a socar Miguel, com ódio da sua ingenuidade, falava que não tinha dinheiro nenhum e que se dependesse dela, queria mais que ele fosse para a cadeia.
Ele chorou, um choro nervoso, amargurado.
Luiza disse para ele nunca mais olhar para ela, que se algum dia ela se preocupasse ou chorasse por causa dele, era melhor que ela morresse, pois ele não merecia nenhum tipo de sentimento dela. Ela gritou, chamou ele de marginal, idiota...
Miguel correu para casa, com medo de que os vizinhos acordassem. Sentou na cama, com a cabeça pesada, certo de que teria que se decidir hoje. Ou seria para sempre o bom menino, ou se entregaria de vez para o destino que o chamava a tanto tempo, mas para optar pela segunda opção, teria que fazer algo que mudasse sua história, que fosse um divsor de águas entre as suas duas personalidades. Estava decidido...
De manhã cedo, ele foi para outro bairro e subiu em um ônibus pela porta traseira, sentou lá atrás e não olhou para ninguém, com medo de mudar de idéia. No meio do trajeto, anunciou o assalto, foi grosso e estúpido com todos os passageiros,porém, certo de que não faria mal maior a eles. De repente, sentiu sua espinha gelar, e se virou. Viu aqueles olhos (o mesmo que antecedia a beliscões em sua infância) olhando com surpresa, medo, angústia.
Enquanto balançava a arma e gritava, olhava no fundo do olho de Luiza. Por um instante tiveram o mesmo pensamento, pensaram na pipa, pensaram nos sorrisos, nos bolos que comeram juntos, nos pressentimentos que tinham um com o outro. Ele pensou na mão dela fazendo bonecos de massinha. Ela pensou na promessa da amizade deles só acabar com a morte. Ele também.
Ela chorou, com os olhos vidrados no dele. Ele olhou para trás, e quando retornou o olhar para ela, apontou a arma. Ela continuou o olhando sem saber ao certo o que iria acontecer. Ele disparou, disparou duas vezes contra o peito de Luiza. A mão dela foi até o ferimento, não acreditou...ouviu batidas na janela, sentiu um beijo...
"se algum dia ela se preocupasse ou chorasse por causa dele, era melhor que morresse"
o olho fechou...nos breves segundos que tudo isso durou!
Ele correu. No meio de gritos, desceu do ônibus correndo e chorando. Chorou, chorou, chorou...riu, a risada mais cruel. Ele sabia agora exatamente quem ele era, e se havia algo que o prendia no caminho do bem, agora não existia mais!

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Maria *

Ela se casou aos 24 anos. Morava no interior da Paraíba, ali permaneceu algum tempo, até ir tentar a sorte no Rio de Janeiro, ela e o marido sem muito, e na esperança de conquistá-lo. Iniciaram uma nova vida, tiveram filhos, mas essa vida não foi assim tão feliz...ela apanhava quase todos os dias do marido, era traída, via os filhos sofrerem, era obrigada a participar de cultos religiosos e macabros, dos quais não concordava e não gostava. Viu mulheres tomarem o seu lugar debocharem dela, mas sempre manteve o ar digno, mesmo com todo sofrimento que cercava seu viver. As brigas, as ofensas e violências em diversos graus era diária.
Um dia cansada de tanta angústia tomou uma decisão...ia embora, e foi. Foi sozinha para São paulo, sem avisar nada a ninguém, largou filhos e marido. Dias depois, já tendo conseguido um bico e uma casa para alugar em São Paulo, ligou para o vizinho de sua mãe e mandou que ela fosse até sua antiga casa e pedisse que seus três filhos (a vida havia lhe arrancado um) arrumassem suas malas durante a madrugada, sem seu pai notar. Assim sua querida mãe o fez! No outro dia sua mãe acordou cedo, foi na casa dela e levou as crianças. Raptou-as!
Pegou um ônibus para São Paulo (tão corajosa quanto a filha) e levou as crianças para os braços da mãe delas!
Como aquilo foi maravilhoso....
Filhos crescidos, vida construída e ex marido falecido...ela voltou. Tomou a casa no Rio de Janeiro para si (já que tinham muitAS brigando pelo bem).
Foi morar com sua mãe que já tinha avançada idade, e mais um imprevisto: seu cunhado (esposo da irmã caçula) vai a falência, e ela acolhe todos, o casal e os dois filhos (um menino e uma menina). Nada como a rotina e o convívio para tornar tudo insuportavelmente doloroso. Eles (filhos) brigam, discutem... se estapeiam, gritam. Mas o amor, recíproco, supera!
Depois de tanto sofrer, ter uma doença misteriosa que "comeu" metade da pele e carne de suas costas, a vida que sempre pregou tantas peças, a surpreende, e aos 63 anos(totalmente curada), ela se apaixona novamente. Namora, sai para se divertir...vê que sua sobrinha se esconde para conseguir ver o beijo, mas não se importa mais...a vida é tão boa!
Perde sua mãe, o restante da família termina de construir sua casa e vai embora, e ela, naquela casa enorme com quintal gigantesco, decide que também voltará a São Paulo. Fica entre os dois estados, cuidando de todos, com um carinho avassalador. Gosta de ir para casa de sua irmã. Sua sobrinha (já no final da adolescência) adora sua presença, conversam até de madrugada, dormem no mesmo quarto. Antes de se deitar, ela senta olha as estrelas e reza o terço!
E a vida, tão maliciosamante, lhe prega outra peça... Um câncer no pulmão é detectado, ela desnorteada por nunca ter fumado, por ter tido uma vida mais ou menos regrada, tenta depois de um tempo assimilar...no auge de sua dor, de sua falta de ar, diz na frente de familiares que a visitam:
Senhor, me leva logo!

E assim ela foi, depois de alguns dias...em outubro de 2006.



* Maria poderia ser sua vizinha idosa, sua amiga, mas é minha tia querida...queria poder contar mais da história de garra dessa mulher, da qual eu já tirei a paciência, já fiz careta, já aborreci e já xinguei, mas que tem uma história forte para mim
!

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Hoje foi mais um daqueles dias que tive que recolher os meus pedaços, pois tudo de mim ficou ali, jogado no chão...
Cheguei em casa, e ele me olhou com aquele olhar, aquele que conheço tão bem. Uma mistura de reprovação e sarcasmo. Me perguntou por onde eu tinha andado, respondi o óbvio, que tinha ido visitar algumas clientes. Ele me olhou de cima a baixo, e mais irônicamente disse: as clientes ou Os clientes?
Nessa hora senti meu sangue gelar. Não por ter feito nada errado, até porque não menti, mas com mentiras ou verdades sempre acontecia a mesma coisa...
Ele se aproximou, mais e mais, já sentia seu hálito e aquele cheiro de sofá, de preguiça, que tomava conta do corpo dele. Puxou meu queixo e me obrigou a beijá-lo. Segurou mais forte, até que pude sentir seus dedos como se fossem esmagar meu maxilar. Me desvincilhei e o empurrei. Ele me segurou pelos cabelos, e disse que eu era uma desgraçada, uma coisa infeliz, uma trouxa de coisa velha...chutou minha canela, com força, mas eu não me dei ao prazer de chorar.
Fechou a mão, e isso foi a última coisa realmente nítida que eu pude ver...acertou meu olho, e depois todo o meu rosto, sem interromper por um instante. Só batia e batia. Caí no chão, respirei, passei a mão no rosto e vi que estava encharcado de suor, sangue e vergonha. Tentei me levantar, mas recebi um pontapé no estômago , e outro, outro...pelo corpo inteiro...pela alma. Quanto mais eu gemia, mais ele ria. Ria alto, gargalhava e dizia coisas sujas. Por fim, como em um ritual, pegou seu estilete (maldito) de estimação e fez um tracinho no dorso da minha mão, ali tinha mais alguns, um colado ao outro. Sorriu para mim e disse:
Quando será que te darei outro desse, riqueza?
Vestiu a camisa, abriu a porta e foi para a rua. E eu aqui, sem ser, recolhendo o que restou de humanidade ou dignidade em mim.
Um blog quase ficcional, quase, afinal, tudo que vivemos se soma. Então tudo que escrevo aqui é ficção, com impressões do mundo, de mim e de você também.