quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Maria *

Ela se casou aos 24 anos. Morava no interior da Paraíba, ali permaneceu algum tempo, até ir tentar a sorte no Rio de Janeiro, ela e o marido sem muito, e na esperança de conquistá-lo. Iniciaram uma nova vida, tiveram filhos, mas essa vida não foi assim tão feliz...ela apanhava quase todos os dias do marido, era traída, via os filhos sofrerem, era obrigada a participar de cultos religiosos e macabros, dos quais não concordava e não gostava. Viu mulheres tomarem o seu lugar debocharem dela, mas sempre manteve o ar digno, mesmo com todo sofrimento que cercava seu viver. As brigas, as ofensas e violências em diversos graus era diária.
Um dia cansada de tanta angústia tomou uma decisão...ia embora, e foi. Foi sozinha para São paulo, sem avisar nada a ninguém, largou filhos e marido. Dias depois, já tendo conseguido um bico e uma casa para alugar em São Paulo, ligou para o vizinho de sua mãe e mandou que ela fosse até sua antiga casa e pedisse que seus três filhos (a vida havia lhe arrancado um) arrumassem suas malas durante a madrugada, sem seu pai notar. Assim sua querida mãe o fez! No outro dia sua mãe acordou cedo, foi na casa dela e levou as crianças. Raptou-as!
Pegou um ônibus para São Paulo (tão corajosa quanto a filha) e levou as crianças para os braços da mãe delas!
Como aquilo foi maravilhoso....
Filhos crescidos, vida construída e ex marido falecido...ela voltou. Tomou a casa no Rio de Janeiro para si (já que tinham muitAS brigando pelo bem).
Foi morar com sua mãe que já tinha avançada idade, e mais um imprevisto: seu cunhado (esposo da irmã caçula) vai a falência, e ela acolhe todos, o casal e os dois filhos (um menino e uma menina). Nada como a rotina e o convívio para tornar tudo insuportavelmente doloroso. Eles (filhos) brigam, discutem... se estapeiam, gritam. Mas o amor, recíproco, supera!
Depois de tanto sofrer, ter uma doença misteriosa que "comeu" metade da pele e carne de suas costas, a vida que sempre pregou tantas peças, a surpreende, e aos 63 anos(totalmente curada), ela se apaixona novamente. Namora, sai para se divertir...vê que sua sobrinha se esconde para conseguir ver o beijo, mas não se importa mais...a vida é tão boa!
Perde sua mãe, o restante da família termina de construir sua casa e vai embora, e ela, naquela casa enorme com quintal gigantesco, decide que também voltará a São Paulo. Fica entre os dois estados, cuidando de todos, com um carinho avassalador. Gosta de ir para casa de sua irmã. Sua sobrinha (já no final da adolescência) adora sua presença, conversam até de madrugada, dormem no mesmo quarto. Antes de se deitar, ela senta olha as estrelas e reza o terço!
E a vida, tão maliciosamante, lhe prega outra peça... Um câncer no pulmão é detectado, ela desnorteada por nunca ter fumado, por ter tido uma vida mais ou menos regrada, tenta depois de um tempo assimilar...no auge de sua dor, de sua falta de ar, diz na frente de familiares que a visitam:
Senhor, me leva logo!

E assim ela foi, depois de alguns dias...em outubro de 2006.



* Maria poderia ser sua vizinha idosa, sua amiga, mas é minha tia querida...queria poder contar mais da história de garra dessa mulher, da qual eu já tirei a paciência, já fiz careta, já aborreci e já xinguei, mas que tem uma história forte para mim
!

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Hoje foi mais um daqueles dias que tive que recolher os meus pedaços, pois tudo de mim ficou ali, jogado no chão...
Cheguei em casa, e ele me olhou com aquele olhar, aquele que conheço tão bem. Uma mistura de reprovação e sarcasmo. Me perguntou por onde eu tinha andado, respondi o óbvio, que tinha ido visitar algumas clientes. Ele me olhou de cima a baixo, e mais irônicamente disse: as clientes ou Os clientes?
Nessa hora senti meu sangue gelar. Não por ter feito nada errado, até porque não menti, mas com mentiras ou verdades sempre acontecia a mesma coisa...
Ele se aproximou, mais e mais, já sentia seu hálito e aquele cheiro de sofá, de preguiça, que tomava conta do corpo dele. Puxou meu queixo e me obrigou a beijá-lo. Segurou mais forte, até que pude sentir seus dedos como se fossem esmagar meu maxilar. Me desvincilhei e o empurrei. Ele me segurou pelos cabelos, e disse que eu era uma desgraçada, uma coisa infeliz, uma trouxa de coisa velha...chutou minha canela, com força, mas eu não me dei ao prazer de chorar.
Fechou a mão, e isso foi a última coisa realmente nítida que eu pude ver...acertou meu olho, e depois todo o meu rosto, sem interromper por um instante. Só batia e batia. Caí no chão, respirei, passei a mão no rosto e vi que estava encharcado de suor, sangue e vergonha. Tentei me levantar, mas recebi um pontapé no estômago , e outro, outro...pelo corpo inteiro...pela alma. Quanto mais eu gemia, mais ele ria. Ria alto, gargalhava e dizia coisas sujas. Por fim, como em um ritual, pegou seu estilete (maldito) de estimação e fez um tracinho no dorso da minha mão, ali tinha mais alguns, um colado ao outro. Sorriu para mim e disse:
Quando será que te darei outro desse, riqueza?
Vestiu a camisa, abriu a porta e foi para a rua. E eu aqui, sem ser, recolhendo o que restou de humanidade ou dignidade em mim.
Um blog quase ficcional, quase, afinal, tudo que vivemos se soma. Então tudo que escrevo aqui é ficção, com impressões do mundo, de mim e de você também.