Hoje foi mais um daqueles dias que tive que recolher os meus pedaços, pois tudo de mim ficou ali, jogado no chão...
Cheguei em casa, e ele me olhou com aquele olhar, aquele que conheço tão bem. Uma mistura de reprovação e sarcasmo. Me perguntou por onde eu tinha andado, respondi o óbvio, que tinha ido visitar algumas clientes. Ele me olhou de cima a baixo, e mais irônicamente disse: as clientes ou Os clientes?
Nessa hora senti meu sangue gelar. Não por ter feito nada errado, até porque não menti, mas com mentiras ou verdades sempre acontecia a mesma coisa...
Ele se aproximou, mais e mais, já sentia seu hálito e aquele cheiro de sofá, de preguiça, que tomava conta do corpo dele. Puxou meu queixo e me obrigou a beijá-lo. Segurou mais forte, até que pude sentir seus dedos como se fossem esmagar meu maxilar. Me desvincilhei e o empurrei. Ele me segurou pelos cabelos, e disse que eu era uma desgraçada, uma coisa infeliz, uma trouxa de coisa velha...chutou minha canela, com força, mas eu não me dei ao prazer de chorar.
Fechou a mão, e isso foi a última coisa realmente nítida que eu pude ver...acertou meu olho, e depois todo o meu rosto, sem interromper por um instante. Só batia e batia. Caí no chão, respirei, passei a mão no rosto e vi que estava encharcado de suor, sangue e vergonha. Tentei me levantar, mas recebi um pontapé no estômago , e outro, outro...pelo corpo inteiro...pela alma. Quanto mais eu gemia, mais ele ria. Ria alto, gargalhava e dizia coisas sujas. Por fim, como em um ritual, pegou seu estilete (maldito) de estimação e fez um tracinho no dorso da minha mão, ali tinha mais alguns, um colado ao outro. Sorriu para mim e disse:
Quando será que te darei outro desse, riqueza?
Vestiu a camisa, abriu a porta e foi para a rua. E eu aqui, sem ser, recolhendo o que restou de humanidade ou dignidade em mim.
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